Reflexão de: Ricardo Gondim
A estrada se alongava por infinitos quilômetros. Enquanto eu caminhava, braços secos, unhas compridas, tentáculos enormes tentavam me arrastar para dentro de uma ribanceira cinzenta. A caatinga de dezembro, que se fazia de morta para sobreviver à fúria do sol nordestino, ressuscitara só para me atormentar. Meu coração batia lento, num ritmo espaçado. Mas a cada batida, fazia estremecer meu corpo inteiro. Um medo se alastrou dentro de mim e eu suava nas palmas das mãos.
Hoje, passados quarenta anos, ainda caminho por aquela mesma estrada tortuosa e sinistra. Todos os anos, quatro dias antes do Natal, aquele dia revive em minha alma e ainda suo nas mãos.
Eu fora incumbido de levar uma má notícia ao meu tio que morava no sítio denominado de Amargoso. Mamãe, grávida de gêmeos, acabara de dar à luz. Nasceram um menino e uma menina. A menina, chamada Gelsa, não viveria. Sua existência se resumiria a apenas dois longos dias de sofrimento.
Mamãe enfrentara uma gravidez conturbada, devido a prisão de meu pai. Ainda recordo o beijo matinal que ela me dava durante o período em que o mantinham incomunicável. Era um beijo seco. A espera de um telefonema que traria a voz do seu homem, endurecia seus lábios. Toda gestação passou-se nessa agonia, que só acabou quando um jipe da aeronáutica trouxe um documento permitindo nossas visitas. Era mamãe quem conduzia os cinco filhos pela mão por alguns quilômetros até a porta do presídio. Mas, aquela antiga agonia se repetia nos procedimentos burocráticos que nos consumiam por horas; tardavam para não nos deixarem abraçar papai.
Assim, o padecer da Glícia se fez carne incompleta. Minha irmãzinha nasceu com o sistema digestivo imperfeito. Sem poder se alimentar, morreria de fome em dois dias.
Orei minhas primeiras preces por aquela estrada amedrontadora. Com minha sinceridade de criança, pedi que Deus curasse a Gelsinha e que Ele não permitisse torturarem minha mãe ainda mais. Roguei-lhe que preservasse meu pai de chorar na frente de seus algozes. Porém, Deus preferiu permanecer em silêncio. No dia 22 de dezembro, meu pai chorou e a tortura de minha mãe se tornou insuportável.
Soluços paternos ressoarão na noite deste Natal e muitas lágrimas maternais se desperdiçarão sem que haja alguém para enxugá-las. Deus parecerá distante e mudo em seu silêncio absoluto. Por isso, sinto que minha vocação é continuar viajando pelas mesmas estradas amedrontadoras de minha infância; não para levar notícias ruins, mas ser a boca de Deus, expressando novas alvissareiras. Desejo anunciar que se Deus habita no silêncio, ele não é indiferente. Quero ser seus braços para sustentar os frágeis e a resposta da prece das mães tristes. Quero que todos saibam que o Deus ausente se faz presente através de seus filhos.
Ele procura por quem se disponha encarnar sua presença entre mulheres e homens. Por isso, convido-lhe a me acompanhar por aquela estrada seca. Neste Natal, exorcizemos o medo; sejamos o consolo e a felicidade de alguém.