quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Solitude


Reflexão de: Ricardo Gondim

Em um mundo de tantos príncipes, ouço um convite para ficar só. Quero distanciar-me um pouco do frenesi das ideias. Necessito sair do ruge-ruge, espairecer. Tornou-se uma urgência preservar o pouco de sanidade que me resta depois de decepções, safanões existenciais, alfinetadas espirituais. Quero sorver o silêncio como bálsamo, deixar-me conduzir pela vastidão, embrenhar-me no vazio. Ouvir a partir das ausências pode ser terapêutico.
Minha solitude pertence às estepes. Careço da grandeza que só as colinas oferecem. Se eu me sentar na pedra que se inclina no precipício, desacompanhado dos tumultos, ouvirei, no sicio da aragem, o essencial. A quietude me remenda. Se fui retalhado na arena, em algum esconderijo, sei que me costuro. Posso fazer de algum lugar remoto o atelier do supremo artesão.
Os passos que dou para fora dos povoados são esforços de não deixar-me institucionalizar. Acumulei patrões pelos anos. Resignado, desaprendi a dizer não. Abandonei-me ao gerenciamento de especialistas; todos especialistas em mandar na vida alheia. Chegou a hora de preservar um pouco do selvagem que carrego desde a minha terra natal. Já fui menino do calção, descalço. Eu não me intimidava com as cercas. Quando queria chupar manga, nadar em charcos ou cavalgar em pangarés, pulava arames farpados. Fui atrevido. Eu não carregava relógio no pulso. Agendas, normas, demandas, roteiros. Assimilei cabrestos e me domestiquei.
Devidamente adequado às exigências de gente que mal conheci, por anos evitei a liberdade do descampado. Passei a ter medo de abrir picada, de aventurar-me por trilhas nunca exploradas. Acostumei-me à sendas bem pavimentadas. Perdi o viço. De repente, anseio por algum lugar remoto, onde não vou esbarrar em ninguém. Estou certo: no anonimato, recobro antigas ousadias.
Só na amplidão do nada, aprendo a não gastar o resto de minha história a procurar aportar no impossível ancoradouro do contento. Recuso-me continuar; tenho que reconciliar-me com inadequações sem precisar responder a ninguém sobre o porquê dos devaneios que lotam a minha alma de poesia. Quando me percebo só, perco o medo de questionar. Desacompanhado, não assusto, não frustro, não decepciono.
Para que homogeneizar-me? Ficar igual seria despersonalizar-me. O fardo de cumprir o padrão imposto seria um suicídio em vida. Devo retrair-me. Em algum esconderijo, ganho alguma chance de lidar com os fragmentos mal encaixados de sentimentos, ideias e comportamentos. Esses cacos, por outros desprezíveis, fazem parte de minha vida.
Sinto falta de um claustro. Edificarei algum monastério – se não conseguir espaço, o erguerei no tempo. Cheguei à idade em que não tenho mais pernas para correr de mim mesmo. Na cela desse mosteiro imaginável, serei iconoclasta. As paredes pintarei de cinza, as janelas não terão qualquer vitral. Despojado de tudo o que possa roubar a atenção, enfrento demônios, converso com anjos e desmascaro fantasmas.
Nas pegadas do Nazareno, sinto o apelo de perder-me para os aplausos, de encolher-me diante do fascínio da glória. Não sei se consigo, mas estou consciente que é nesta estrada onde se aprende: o mal tem sede de brilho e a verdadeira vida se esconde na simplicidade.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Naufrágio


Mensagens do: Pr Arcélio Luis

Conservando a fé, e a boa consciência, porquanto alguns rejeitando-a fizeram naufrágio na fé.

(Primeira carta de Paulo à Timóteo, capítulo 1 – versículo 19)

O ano era 1912.

A conquista era sem precedentes!

Tratava-se da maior conquista humana em navegação e acabou como a maior tragédia náutica de todos os tempos!

O Titanic era considerado tão seguro que não houve preocupação com botes salva vidas, pois se dizia que nada nem ninguém seria capaz de afundá-lo.

A superestimação foi fatal para aquela embarcação, repleta de milionários, do inicio do século passado. O problema é que num naufrágio estar na primeira classe não garante a sobrevivência.

A superestimação tornou fatal o desastre. A Bíblia sagrada, o Livro dos livros, o manual do Fabricando do homem, o Código da Eternidade, nos aconselha a não incorrermos no mesmo erro, dizendo: “Aquele que está em pé tome cuidado pra não cair.” (1 Coríntios 10.12).

O próprio Senhor Jesus advertiu seus discípulos dizendo para não somente orarem, mas também vigiarem a fim de não cair em tentação. Na própria oração que o Senhor ensinou, famosamente conhecida como a “Oração do Pai Nosso”, contem o mesmo ensino sobre o perigo da tentação.

O Experiente Apóstolo Paulo ao Escrever ao jovem pastor Timóteo adverte que esse naufrágio da fé vem pela perda da boa consciência, a qual nos mantém centrados, interiormente organizados, e pragmaticamente equilibrados.

A consciência é descrita em diversas ocasiões na Bíblia como algo muito importante para não naufragar na fé. Segundo o dicionário Aurélio, Consciência é s.f. “Conhecimento, noção do que se passa em nós, percepção mais ou menos claras dos fenômenos que nos informam a respeito de nossa própria existência. Sentimento de dever, moralidade.” A consciência é como uma voz interna que nos defende ou nos condena, como se tivéssemos um tribunal infalível dentro de nós mesmos, independente de sermos ou não cristãos. Isto pode ser encontrado escrito com essa clareza em Romanos 2.15.

Segundo a Palavra de Deus para não fazer naufrágio na fé a consciência precisa ser mantida limpa e pura (1 Timóteo 3.9), pelo esforço consciente. Paulo, apostolo, disse: “Por isso, também me esforço por ter sempre consciência pura diante de Deus e dos homens.” (Atos 24.16). Além do esforço consciente existe uma ação do Espírito Santo direta na consciência para ajudar a impedir o naufrágio da fé, mas mesmo essa ação do Espírito Santo passa pela permissão da pessoa humana. Ainda citando Paulo, desta vez escrevendo aos romanos: “Digo a verdade em Cristo, não minto, dando comigo testemunho, no Espírito Santo, minha própria consciência”. (Romanos 9.1).

Segundo as mesmas palavras de Paulo a Timóteo desta vez no capitulo 4, verso 2, a consciência pode muitas vezes ser cauterizada, e, nesse caso, a boca fica cheia de mentiras. Já uma boa consciência gera uma fé sem hipocrisia, sem falsidade, e sem mentiras, conforme pode claramente ser lido na mesma epístola de 1 Timóteo 1.5. Segundo o autor de Hebreus, quem conserva uma boa consciência vai buscar viver de maneira digna e honrada (Hebreus 13.18). Já uma pessoa que se deixa levar pela descrença e pela impureza pode chegar a um ponto de ver a consciência ficar completamente corrompida, conforme lemos em Tito 1.15.

A difamação e a calúnia tem um poder corrosivo terrível, mas a consciência pura diante de Deus traz tranquilidade, mesmo quando somos severa e maliciosamente caluniados. Recentemente um membro do nosso ministério me contou que uma pessoa que havia nos abandonado fez certas calúnias, a maioria delas chega a ser engraçada, pela contradição nelas contidas. Outra pessoa me contou de um programa de rádio, do tipo “pastelão”, onde somente pessoas “baixíssimas” participam, que tal radialista me criticava inventando coisas absurdas (eu não assisto por dificuldade de ouvir gente desse nível), mas quando soube permaneci em paz, pelo simples fato de ter boa consciência para com Deus. “Fazendo-o, todavia, com mansidão e temor, com boa consciência, de modo que, naquilo em que falam contra vós outros, fiquem envergonhados os que difamam o vosso bom procedimento em Cristo.” (1 Pedro 3.1).

Não devemos fazer ou deixar de fazer as coisas por causa dos críticos ou por causa da punição divina, mas sim por causa da consciência. Isso é o que difere o Antigo do Novo Testamento, é o que difere o tempo de criança para o tempo da maturidade, difere o que tem aio, para o que não precisa mais de aio por causa da consciência pura, a qual só fica totalmente pura pela Palavra de Deus. Ou seja, no Antigo Testamento a lei impressa em tábuas de pedras advertia o homem de fora para dentro, mas a lei impressa na consciência pelo Espírito Santo nos adverte de dentro pra fora, e essa ultima advertência é extremamente mais eficaz, pois temos seus mandamentos impressos no coração. Assim obedecemos às autoridades não somente por medo da punição, mas principalmente por causa da consciência, não por causa do guarda, mas por causa da placa. “Portanto é necessário que lhe estejais sujeitos, não somente pelo castigo, mas também por causa da consciência.” (Romanos 13.5). E não nos esquecemos que tal purificação da consciência que impede o naufrágio vem somente da Palavra de Deus. “Aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura”. (Hebreus 10.22).

Shalom, Nele, em quem a consciência se mantém consciente no bote salva vidas da fé.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Ebenezer (1 Samuel 7.12)


Ensino de: Pr. Giovanni Diodato Neto

“Até aqui” é um ponto que fala de três olhares para o tempo: o passado, o presente e o futuro. “Até aqui” olhando-se para o passado; (Êx 3.7-9) nos diz o quanto já caminhamos. As lutas que enfrentamos, as decepções que sofremos, as dores e angústias que sentimos, as vitórias que conquistamos. Mas “até aqui” não estivemos sozinhos. Não passamos por tudo isto desamparados. Ao contrário, Deus esteve presente em todas as circunstâncias. (Sl 91.15; Sl 23.4) Ele esteve conosco em nossas dores e angústias. “Até aqui” nos fala também do presente. Se no “agora” estamos enfrentando lutas e provações, as experiências do passado nos fazem lembrar de que Deus esteve nos ajudando. E esta lembrança nos traz esperança na ajuda divina. Devemos nos momentos difíceis do presente fazer como o profeta Jeremias (Lm 3.19-25) que diante de um quadro caótico, disse: “Quero trazer a memória o que me pode dar esperança.” Procuremos trazer a memória que nas lutas e provações passadas Deus esteve nos ajudando a superá-las. Creiamos que se Ele, lá atrás, não nos abandonou, é certo que não nos faltará no presente. Se você parece não ter muita coisa para comemorar neste momento, então, traga a sua memória as vezes que Deus o livrou, as vitórias que Ele ajudou a conquistar, as bênçãos que Ele gratuitamente lhe deu, a força quando esteve fraco, o consolo quando esteve triste, a saúde, a provisão. Estas lembranças lhe encherão de esperança. Serão um fator motivador para enfrentar o presente. “Até aqui” aponta para o futuro. (Hb 2.4)(Gl 3.11) Imagine uma caminhada onde você chega num ponto e diz: “Bem, chegamos até aqui!” E olha a sua frente e vê o longo caminho a ser percorrido. É assim a vida. Chegamos “até aqui”. Contudo, “aqui” não é o nosso lugar de descanso. Há um futuro para ser conquistado. Metas a serem atingidas. Sonhos a serem realizados. Projetos a serem empreendidos. Sim. “Até aqui” tem um olhar futuro. E sabe quem estará lá no futuro conosco? DEUS!!! Ele é o mesmo ontem, hoje e eternamente. Por isso, não temamos o futuro desconhecido, nem fiquemos ansiosos por coisa alguma. Deus conhece o futuro. Se a nossa vida está em suas mãos, estaremos seguros. Ao pensar no futuro pense que Deus já está lá, aplainando o caminho, endireitando as veredas pelas quais você irá passar. E quando chegar lá, você com certeza dirá: “ATÉ AQUI NOS AJUDOU O SENHOR.”

sábado, 15 de outubro de 2011

Teimosia e esperança


Reflexão de: Pr. Ricardo Gondim

A humanidade é constante vai-e-vem. Avanços e retrocessos fazem a história alternar entre tragédia e farsa. Enquanto erradicamos a poliomielite, cometemos atrocidades. Revolucionamos as comunicações, mas permanecemos culpados dos mais horrorosos crimes.

No século XX, duas guerras mundiais se somaram a genocídios e extermínios étnicos para alterar, definitivamente, filosofia e teologia. Positivismo virou ingenuidade – quem ainda acredita no mito do progresso?

Em algum lugar, no Pentágono, numa cova rasa do Camboja, num escombro de Ruanda, jazem os ossos do “bom selvagem” de Jean-Jacques Rousseau. De Camus a Martin Luther King se discorreu sobre o “mal profundo” que aleija a humanidade. Ele existe. Entre luzes e sombras, a história se alonga, malévola, com miséria, aniquilamento de culturas, e muita, muita, dor.

Antigas formulações sobre Deus, desapareceram. Hemingway colocou na boca de Robert Jordan, personagem de “Por quem os sinos dobram”, o porquê de seu ateísmo. Para o autor, que testemunhara os horrores da Guerra Civil da Espanha, Deus não existe: “se existisse, Ele não teria permitido que eu visse o que vi com estes meus olhos”.

Por outro lado, escancarados os campos de concentração nazista, ficou claro que monstros existem. E como se multiplicam! Elie Wiesel narrou o dia em que assistiu ao enforcamento de um menino no pátio do campo onde estava preso. Perfilado, viu a criança agonizar, pendurada por minutos que pareciam uma eternidade. Ele lembra que o menino tinha “os olhos de um anjo feliz”. Na fila, Wiesel ouviu alguém perguntar: “Onde está Deus? Onde ele está? Onde está Deus, então?”. Uma voz respondeu em seu próprio coração: “Onde ele está? Ei-lo – está aqui, pendurado nesta forca”. Deus estava morto e o facínora, vivo.

Nunca testemunhei tantos horrores. Mas o pouco que vi bastou para eu refazer conceitos. Revisei o que entendia por Deus. Remexi na compreensão da vida. Distingui esperança de ilusão, ideal de compromisso, ingenuidade de realismo e comecei o árduo processo de reconstruir-me sem o imobilismo do pessimismo e sem a superficialidade do otimismo.

Depois de várias reformas, continuo a acreditar na possibilidade da vida, no potencial humano e no aparecimento de artesãos da história. Mesmo quando o encarceramento da bondade parece inexorável, vejo a bondade humana como a erva que rompe o cimento. Sob camadas de iniquidade, a virtude consegue vingar. Vinho bom pode vir do lagar onde se esmagam as uvas da ira. Creio no bem que ressurge, teimoso, como força existencial. Vivo com a esperança, sei que ventos imprevisíveis reacendem o pavio que fumega.

Vinicius de Moraes, logo após a II Guerra Mundial, em 1946, disse que “o pranto que choramos juntos há de ser água para lavar dos corações o ódio e das inteligências o mal entendido”. Sim, a humanidade é viável – caso contrário já estaria sepultada com os dinossauros – mesmo em meio a tanta ferocidade.

A maldade, mesmo universal, mesmo arraigada, não conseguiu asfixiar o bem. Os patifes têm maior visibilidade, os canalhas amedrontam, sórdidos intimidam, contudo, “onde abundou o pecado, superabundou a graça”. Por mais que o ímpio resfolegue ódio e o tirano oprima, a morte os alcançará. Eles passarão e o lento fluir da história continuará. Basta um fiapo de luz para que se desperte fome e sede de justiça em alguém. De onde menos se espera nascerão vigorosos esforços de paz.

Os Judas, os Brutus, os Pinochets, os Husseins, os Bushes, sumirão pelo esgoto da irrelevância. No fim, quando o Diretor da peça entrar no palco e avisar que o espetáculo acabou, o malvado será apenas uma nódoa. Ele próprio se condenará como personagem da Divina Comédia. E deixará, como único legado, a possibilidade de gerar indignação nos que acreditam em outro mundo possível.

Mesmo na sordidez contemporânea, o justo acena com a aurora de uma Nova Cidade; aguarda, como sentinela, a luz da aurora virar dia perfeito. O profeta do desespero tenta, mas homens e mulheres de bem resistem. É necessário que lampejos de esperança brotem nos atos simples de bordadeiras, poetisas, teólogas, operários, jornalistas, lavradores.

O milênio começou com poucas opções. Carpideiras choram no velório dos ideais – foram contratadas para despistar a festa do Grande Capital. Na ressaca do baile progressista, alguns não acreditam que sobará ânimo para o enfrentamento do desastre sócio-ambiental. Entretanto, a Imago Dei – imagem de Deus – nos olhos das crianças convida a humanidade a não entregar os pontos.

A doença que nos aflige não é para a morte. Ainda dá para virar o jogo. Enquanto pequeninos mantiverem louvor à vida e homens e mulheres não se ajoelharem no altar do cinismo, a promessa continua de pé: “Os mansos herdarão a terra”.